Vários significados podem
ser atribuídos para o termo “sincretismo”. Segundo o autor Sergio Ferrati,
alguns pesquisadores ainda evitam usar essa palavra por considerarem que seu
significado indique uma mistura confusa de elementos deferentes. Embora o
antropólogo Andre Droogers afirme tenha duplo sentido, sendo usado como
misturas de religiões, que é visto como algo negativo por muitos, chegando a
propor a abolição do termo. O outro sentido que lhe é dado tem relação com o
caráter político, quando grupos com culturas, tradições e valores distintos, se
unem contra um inimigo comum.
Antigamente,
no século XVIII, o significado de sincretismo era considerado algo maldito,
pois representava união de pensamentos teólogos opostos e até heresia. No
Brasil, o termo sofreu mudanças e sua definição foi desconstruída, num país
formado por diversidades, todas as religiões são sincréticas, por misturar
elementos de vários povos, embora ainda haja preconceitos. Quando se refere em
religiões afro-brasileiras, o sincretismo se encaixa como um mosaico de
elementos de origens diversas.
No
Brasil, as religiões, tanto o catolicismo quanto na Umbanda e outras religiões afro-brasileiras,
apresentam traços que remetem a diversidade. O sincretismo religioso também
pode ser visto como um fenômeno religioso, que implica em constatar a mistura
de elementos culturais que contribui para a integração de conteúdos de várias
origens, não impondo superioridade em nenhuma delas. O fato não diminui o
domínio da religião, Pelo contrario, os conflitos existentes, onde uma se diz
melhor que a outra ainda é muito existente.
Na
visão de cada individuo qualquer crença religiosa a qual pertence é pura e
soberana diante das demais, isso é relativo a ideologia de cada um, pois as
pessoas tendem a defender aquilo que acredita. Diante desse fato, os seus
líderes procuram praticar seus rituais e tradições da melhor forma possível,
tornando o ambiente religioso uma referência de beleza, arte e estética, que
estão presentes nas músicas, danças, rituais, pinturas esculturas e também na
literatura.
Segundo
o autor, a ideia de pureza, em que cada religião se preocupa em expor, é uma
forma de se opor ao sincretismo, trazendo a ideia de confusão, mistura,
poluição, a junção de elementos contraditórios. A ideia religião honrada é ao
mesmo tempo uma ideologia e um mito. Sincretismo traz por um lado a ideia de
uma miscigenação democrática das culturas, onde todos se aceitam e se
beneficiam dos elementos agregados, traz a ideia de respeito. Por outro lado
traz a imposição feita pelos colonizadores em implantar suas praticas e
conhecimentos religiosos, desmerecendo totalmente os costumes dos nativos. Um
exemplo claro disso foi a catequização dos índios realizadas pelos Jesuítas,
passando por cima de toda e qualquer crença dos mesmos.
Um
fato interessante sobre sincretismo nas religiões afro-brasileiras alguns
intelectuais atualmente condenam o sincretismo, por considerarem que as praticas
religiosas de origem afro não precisam mais se mascarar por trás do
catolicismo, atitude que foi defendida pelos lideres religiosos na Bahia, na II
Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura. Porém a igreja católica
que tanto tentou impugnar essas tradições, hoje busca conservar o sincretismo,
vêm esse fato com “o inculturação”, seu ideal é a purificação dessas religiões.
Então ligado a pastoral do negro, o catolicismo passou a implantar alguns elementos de religiões africanas nas
missas.
Atualmente,
o que ocorre no país é o que podemos chamar de ”Guerra Santa”, onde as
religiões africanas criaram o movimento de reafricanização, que vem se
expandindo no território brasileiro. Esse movimento busca apagar todos os traços
do catolicismo em suas praticas religiosas, considerando que esses vestígios
deixados pelos colonizadores como impurezas, buscando a pureza africana.
No
país há um conflito permanente entre intelectuais que querem difundir as ideias
do sincretismo e outros que querem bani-la, esses confrontos de ideias são
constantes. Porém como diz Ferretti, as religiões são fenômenos instáveis,
sofrem mudanças e possuem ideias contraditórias, por isso não cabe esse rigor
teólogo, uma visão única. Não se deve menosprezar nenhuma das religiões, pois
apesar da rigorosidade daqueles que condenam o sincretismo religioso, é fato de
que algumas trocas de elementos estão presentes e permanentes, principalmente
no que se diz respeito a linguagem. Como o antropólogo holandês Doogers afirma
que o termo sincretismo, se distingue daqueles termos preconceituosos e não
possui conotação valorativa, essa negatividade é atribuída por aqueles que a
criticam.
Segundo
o autor, o sincretismo afro-brasileiro foi uma forma de adaptação dos
africanos, foi uma forma de sobrevivência dos africanos no Novo Mundo. Podemos
constatar a origem do significado do termo, pois na África era comum quando as
civilizações tinham contatos pacíficos ou conflituosos, adotarem divindades das
civilizações conquistadas, daí a origem do significado encontrado no
dicionário: “reunião de vários Estados da Ilha de Creta contra o adversário
comum”.
Contata-se
que muito antes do tráfico de escravos, os povos africanos já haviam recebido
influências do catolicismo, com a visita de missionários portugueses no século
XV. Segundo o historiador Thornton, essa influencia se misturou as religiões
africanas. Um fato que comprova isso e que por muitos é desconhecido é que
alguns escravos trazidos para o Brasil já eram cristianizados e batizados,
justamente pela presença dos missionários europeus. Os missionários tinham
intermediadores nativos que falavam diversas etnias, e assim foi possível a
propagação das informações.
De
acordo com os estudos do historiador, Flávio dos Santos Gomes, trás uma outra
ideia sobre os quilombos formados pelos negos que fugiram da escravidão que
eram submetidos aqui no Brasil, há uma outra realidade por trás dos quilombos
entranhado nas matas, marginalizados ou como um local para se refugiar, conhecidos pela maioria das pessoas. Alguns
quilombos como o Igaraçu, localizavam-se perto de centros urbanos, cultivavam a
agricultura de subsistência, se beneficiando das condições geográficas da sua
localização perto de rios e pântanos, produzindo produtos em pequena escala,
desenvolvendo lucrativo comércio de lenha e formando as comunidades negras.Assim,
o sincretismo, surgido pela convivência próxima entre religiões africanas e o
catolicismo, levou a sobrevivência das tradições africanas, pois foi possível
mesclar suas práticas .
No
trecho do artigo do historiador, João José Reis (1996, p. 20), ele esclarece
alguns aspectos que para muitos seria inimaginável, ele ressalta a capacidade
que os negros tinham de compor alianças sociais, e essas alianças se
transformavam em interpenetrações culturais. Ele também afirma que “ os
escravos e quilombolas foram forçados a mudar coisas que não mudariam se não
submetidos à pressão escravocrata e colonial, mas foi deles a direção de muitas
dessas mudanças, pois não permitiram transformar-se naquilo que o senhor
desejava”, disso deriva a beleza da cultura africana.
O antropólogo Kabengele
Munanga, partindo da mesma linha de raciocínio de João José Reis, e relação aos
quilombos, ele afirma que “A transculturação parece-me um dado fundamental da
cultura afro-brasileira. A “pureza” das culturas nagô e bantu é uma preocupação
de alguns pesquisadores e nada tem a ver com as práticas e estratégias dos que
nos legaram a chamada cultura negra no Brasil. Com efeito os escravos africanizados
e seus descendentes nunca ficaram presos aos modelos ideológicos excludentes.
Suas práticas e estratégias desenvolveram-se dentro do modelo transcultural,
com o objetivo deformar identidades pessoais ricas e estáveis que não podiam
estruturar-se unicamente dentro dos limites de sua cultura”. Ou seja, a
transculturação faz parte de uma das características marcante do Brasil, e que
esse fato não retira a pureza das religiões da África.
Em
relação ao sincretismo afro-brasileiro, Roberto DaMatta, vê no brasileiro a
capacidade de unir tendências separadas por tradições diferentes, sendo assim,
é possível afirmar que o brasileiro católico também é praticante de outras
religiões e de relaciona-las entre si. Essas relações são percebidas claramente
nas manifestações religiosas.
De acordo com as ideias do
historiador Isambert, o renascimento pelo interesse dos estudo das religiões e
da cultura popular, a partir de 1970,
resulta em uma grande discussão sobre o significado do conceito de cultura popular, hoje bastante
utilizado por historiadores porém ainda é
aceito com algumas restrições pelos cientistas sociais.
Segundo François, a partir
do séc. XVIII ocorreu na Igreja Católica o divórcio entre uma religião urbana,
escrita, individualizante, que passa a se opor a uma cultura religiosa das
massas. Ele Considera que o sentido do termo cultura popular está relacionada à
cultura das classes consideradas inferiores ou submissos, caracterizando a
visão do conceito da distinção entre o popular e o oficial, entre o vivido e o
doutrinal. Ele ainda ressalta que a religião popular de acordo com os conceitos
da escola de Durkheim, Henri Hubert, diferenciava as “religiões de igrejas” e “religiões
povo”, pois as religiões de igreja teriam doutrinas cultas e organizadas e as
religiões do povo seriam constituídas por crenças e supertições.
Em seus estudos ele cita
algumas ideias de Jean Séguy, que defende que as religiões populares são
qualificadas por supertições, por conter elementos que as autoridades
religiosas julgam conter presença de várias ideologias, em relação ao sistema
no qual elas se apoiam. E também é atribuída como sincrética, quando um grupo marginalizado
organiza crenças e práticas retiradas de várias origens, formando um todo
relativamente independente que a religião “oficial” critica e tenta combater. É
qualificada ainda de práticas folclóricas ou tradicionais,por sua manifestações
apresentarem elementos integrado
geralmente a uma festa.
Então, partindo da
perspectiva de Séguy, citada por Isambert, constata-se que festas folclóricas,
religiões populares, superstições e sincretismos, constituem fenômenos
inter-relacionados. Lembrando que o conceito de religião e folclore são
diferentes na pratica, porém se confundem por compartilharem algum aspectos.
Um
exemplo nítido do sincretismo presente no Brasil, são as festas populares e as
manifestações folclóricas, nas práticas religiosas existem muitos elementos
relacionados ao folclore, presentes nos gestos, cânticos, objetos e palavras
sagradas.
Outro
exemplo de sincretismo que podemos citar são as festas do Divino Espírito
Santo, realizada nos terreiros de tambor de mina do Maranhão, com a presença de
elementos como o bumba-meu-boi, tambor de crioula, banquete para os cachorros,
ladainhas, procissões e outros rituais que são oferecidos em homenagens e como
pagamento de promessas. A realização das festas nos terreiros representa uma
forma de manifestação da religiosidade popular e não pode ser vista como
superstição, atraso ou ridicularizado como fator que prejudica a pureza da religião africana. Não se pode também
dizer que o sincretismo foi um fenômeno que só funcionou no passado e que se
encontra em desaparecimento, ao observar as manifestações populares hoje em
dia, isso ainda se faz muito presente.
Dessa
forma, podemos concluir que o sincretismo é importante e presente em todas as
formas de religião, seja em nas procissões, nas comemorações dos santos, nas
diversas formas de pagamento de promessas, nas festas populares em geral. Não
se pode menosprezar, negar essa mistura, pois ela é a responsável por
relacionar a cultura africana da cultura brasileira. Seria uma estratégia de
transculturação, da união daquilo que é oposto, mas se transforma em algo belo.
Num país como o Brasil é impossível negar o sincretismo, pois a cultura
presente resulta da junção de varias outras que formou essa diversidade,
principalmente os elementos africanos que merecem ser valorizados e respeitados
pela sua grandiosidade. O sincretismo não é algo negativo, mas é uma forma de
valorizar e não desmerecer nenhuma religião.
É
visto que há certa resistência em relação as tradições originárias da África,
mas se olharmos com mais sensatez, percebe-se que o Brasil não tem uma Cultura
exclusiva, ela é formada por varias outras que se faz presente e todas elas
foram importante para a formação da identidade do país, todas pó igual, sem
desmerecer nenhuma delas, pois a junção de todas foi responsável pela formação
cultura única e miscigenada. Assim, não há como banir ou desconsiderar a
presença do sincretismo.
Biografia
Ferretti, S. E. Sincretismo
Afro-Brasileiro e Resistência Cultural.
Prandi, R. Referências
sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento,
africanização . Brasil: Universidade de São Paulo .
SOARES, Afonso Maria Ligorio.
Sincretismo
afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio. Revista de Estudos da
Religião. Nº 3 / 2002 / pp. 45-75
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