sábado, 27 de maio de 2017

Sincretismo afro-brasileiro e resistência cultural

Vários significados podem ser atribuídos para o termo “sincretismo”. Segundo o autor Sergio Ferrati, alguns pesquisadores ainda evitam usar essa palavra por considerarem que seu significado indique uma mistura confusa de elementos deferentes. Embora o antropólogo Andre Droogers afirme tenha duplo sentido, sendo usado como misturas de religiões, que é visto como algo negativo por muitos, chegando a propor a abolição do termo. O outro sentido que lhe é dado tem relação com o caráter político, quando grupos com culturas, tradições e valores distintos, se unem contra um inimigo comum.
            Antigamente, no século XVIII, o significado de sincretismo era considerado algo maldito, pois representava união de pensamentos teólogos opostos e até heresia. No Brasil, o termo sofreu mudanças e sua definição foi desconstruída, num país formado por diversidades, todas as religiões são sincréticas, por misturar elementos de vários povos, embora ainda haja preconceitos. Quando se refere em religiões afro-brasileiras, o sincretismo se encaixa como um mosaico de elementos de origens diversas.
            No Brasil, as religiões, tanto o catolicismo quanto na Umbanda e outras religiões afro-brasileiras, apresentam traços que remetem a diversidade. O sincretismo religioso também pode ser visto como um fenômeno religioso, que implica em constatar a mistura de elementos culturais que contribui para a integração de conteúdos de várias origens, não impondo superioridade em nenhuma delas. O fato não diminui o domínio da religião, Pelo contrario, os conflitos existentes, onde uma se diz melhor que a outra ainda é muito existente.
            Na visão de cada individuo qualquer crença religiosa a qual pertence é pura e soberana diante das demais, isso é relativo a ideologia de cada um, pois as pessoas tendem a defender aquilo que acredita. Diante desse fato, os seus líderes procuram praticar seus rituais e tradições da melhor forma possível, tornando o ambiente religioso uma referência de beleza, arte e estética, que estão presentes nas músicas, danças, rituais, pinturas esculturas e também na literatura.
            Segundo o autor, a ideia de pureza, em que cada religião se preocupa em expor, é uma forma de se opor ao sincretismo, trazendo a ideia de confusão, mistura, poluição, a junção de elementos contraditórios. A ideia religião honrada é ao mesmo tempo uma ideologia e um mito. Sincretismo traz por um lado a ideia de uma miscigenação democrática das culturas, onde todos se aceitam e se beneficiam dos elementos agregados, traz a ideia de respeito. Por outro lado traz a imposição feita pelos colonizadores em implantar suas praticas e conhecimentos religiosos, desmerecendo totalmente os costumes dos nativos. Um exemplo claro disso foi a catequização dos índios realizadas pelos Jesuítas, passando por cima de toda e qualquer crença dos mesmos.
            Um fato interessante sobre sincretismo nas religiões afro-brasileiras alguns intelectuais atualmente condenam o sincretismo, por considerarem que as praticas religiosas de origem afro não precisam mais se mascarar por trás do catolicismo, atitude que foi defendida pelos lideres religiosos na Bahia, na II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura. Porém a igreja católica que tanto tentou impugnar essas tradições, hoje busca conservar o sincretismo, vêm esse fato com “o inculturação”, seu ideal é a purificação dessas religiões. Então ligado a pastoral do negro, o catolicismo passou a implantar  alguns elementos de religiões africanas nas missas.
            Atualmente, o que ocorre no país é o que podemos chamar de ”Guerra Santa”, onde as religiões africanas criaram o movimento de reafricanização, que vem se expandindo no território brasileiro. Esse movimento busca apagar todos os traços do catolicismo em suas praticas religiosas, considerando que esses vestígios deixados pelos colonizadores como impurezas, buscando a pureza africana.
            No país há um conflito permanente entre intelectuais que querem difundir as ideias do sincretismo e outros que querem bani-la, esses confrontos de ideias são constantes. Porém como diz Ferretti, as religiões são fenômenos instáveis, sofrem mudanças e possuem ideias contraditórias, por isso não cabe esse rigor teólogo, uma visão única. Não se deve menosprezar nenhuma das religiões, pois apesar da rigorosidade daqueles que condenam o sincretismo religioso, é fato de que algumas trocas de elementos estão presentes e permanentes, principalmente no que se diz respeito a linguagem. Como o antropólogo holandês Doogers afirma que o termo sincretismo, se distingue daqueles termos preconceituosos e não possui conotação valorativa, essa negatividade é atribuída por aqueles que a criticam.
            Segundo o autor, o sincretismo afro-brasileiro foi uma forma de adaptação dos africanos, foi uma forma de sobrevivência dos africanos no Novo Mundo. Podemos constatar a origem do significado do termo, pois na África era comum quando as civilizações tinham contatos pacíficos ou conflituosos, adotarem divindades das civilizações conquistadas, daí a origem do significado encontrado no dicionário: “reunião de vários Estados da Ilha de Creta contra o adversário comum”.
            Contata-se que muito antes do tráfico de escravos, os povos africanos já haviam recebido influências do catolicismo, com a visita de missionários portugueses no século XV. Segundo o historiador Thornton, essa influencia se misturou as religiões africanas. Um fato que comprova isso e que por muitos é desconhecido é que alguns escravos trazidos para o Brasil já eram cristianizados e batizados, justamente pela presença dos missionários europeus. Os missionários tinham intermediadores nativos que falavam diversas etnias, e assim foi possível a propagação das informações.
            De acordo com os estudos do historiador, Flávio dos Santos Gomes, trás uma outra ideia sobre os quilombos formados pelos negos que fugiram da escravidão que eram submetidos aqui no Brasil, há uma outra realidade por trás dos quilombos entranhado nas matas, marginalizados ou como um local para se refugiar,   conhecidos pela maioria das pessoas. Alguns quilombos como o Igaraçu, localizavam-se perto de centros urbanos, cultivavam a agricultura de subsistência, se beneficiando das condições geográficas da sua localização perto de rios e pântanos, produzindo produtos em pequena escala, desenvolvendo lucrativo comércio de lenha e formando as comunidades negras.Assim, o sincretismo, surgido pela convivência próxima entre religiões africanas e o catolicismo, levou a sobrevivência das tradições africanas, pois foi possível mesclar suas práticas .
            No trecho do artigo do historiador, João José Reis (1996, p. 20), ele esclarece alguns aspectos que para muitos seria inimaginável, ele ressalta a capacidade que os negros tinham de compor alianças sociais, e essas alianças se transformavam em interpenetrações culturais. Ele também afirma que “ os escravos e quilombolas foram forçados a mudar coisas que não mudariam se não submetidos à pressão escravocrata e colonial, mas foi deles a direção de muitas dessas mudanças, pois não permitiram transformar-se naquilo que o senhor desejava”, disso deriva a beleza da cultura africana.
O antropólogo Kabengele Munanga, partindo da mesma linha de raciocínio de João José Reis, e relação aos quilombos, ele afirma que “A transculturação parece-me um dado fundamental da cultura afro-brasileira. A “pureza” das culturas nagô e bantu é uma preocupação de alguns pesquisadores e nada tem a ver com as práticas e estratégias dos que nos legaram a chamada cultura negra no Brasil. Com efeito os escravos africanizados e seus descendentes nunca ficaram presos aos modelos ideológicos excludentes. Suas práticas e estratégias desenvolveram-se dentro do modelo transcultural, com o objetivo deformar identidades pessoais ricas e estáveis que não podiam estruturar-se unicamente dentro dos limites de sua cultura”. Ou seja, a transculturação faz parte de uma das características marcante do Brasil, e que esse fato não retira a pureza das religiões da África.
            Em relação ao sincretismo afro-brasileiro, Roberto DaMatta, vê no brasileiro a capacidade de unir tendências separadas por tradições diferentes, sendo assim, é possível afirmar que o brasileiro católico também é praticante de outras religiões e de relaciona-las entre si. Essas relações são percebidas claramente nas manifestações religiosas.
De acordo com as ideias do historiador Isambert, o renascimento pelo interesse dos estudo das religiões e da cultura popular, a partir de 1970,  resulta em uma grande discussão sobre o significado  do conceito de cultura popular, hoje bastante utilizado por historiadores porém ainda é  aceito com algumas restrições pelos cientistas sociais.
Segundo François, a partir do séc. XVIII ocorreu na Igreja Católica o divórcio entre uma religião urbana, escrita, individualizante, que passa a se opor a uma cultura religiosa das massas. Ele Considera que o sentido do termo cultura popular está relacionada à cultura das classes consideradas inferiores ou submissos, caracterizando a visão do conceito da distinção entre o popular e o oficial, entre o vivido e o doutrinal. Ele ainda ressalta que a religião popular de acordo com os conceitos da escola de Durkheim, Henri Hubert, diferenciava as “religiões de igrejas” e “religiões povo”, pois as religiões de igreja teriam doutrinas cultas e organizadas e as religiões do povo seriam constituídas por crenças e supertições.
Em seus estudos ele cita algumas ideias de Jean Séguy, que defende que as religiões populares são qualificadas por supertições, por conter elementos que as autoridades religiosas julgam conter presença de várias ideologias, em relação ao sistema no qual elas se apoiam. E também é atribuída como  sincrética, quando um grupo marginalizado organiza crenças e práticas retiradas de várias origens, formando um todo relativamente independente que a religião “oficial” critica e tenta combater. É qualificada ainda de práticas folclóricas ou tradicionais,por sua manifestações apresentarem  elementos integrado geralmente a uma festa.
Então, partindo da perspectiva de Séguy, citada por Isambert, constata-se que festas folclóricas, religiões populares, superstições e sincretismos, constituem fenômenos inter-relacionados. Lembrando que o conceito de religião e folclore são diferentes na pratica, porém se confundem por compartilharem algum aspectos.
            Um exemplo nítido do sincretismo presente no Brasil, são as festas populares e as manifestações folclóricas, nas práticas religiosas existem muitos elementos relacionados ao folclore, presentes nos gestos, cânticos, objetos e palavras sagradas.
            Outro exemplo de sincretismo que podemos citar são as festas do Divino Espírito Santo, realizada nos terreiros de tambor de mina do Maranhão, com a presença de elementos como o bumba-meu-boi, tambor de crioula, banquete para os cachorros, ladainhas, procissões e outros rituais que são oferecidos em homenagens e como pagamento de promessas. A realização das festas nos terreiros representa uma forma de manifestação da religiosidade popular e não pode ser vista como superstição, atraso ou ridicularizado como fator  que prejudica a pureza  da religião africana. Não se pode também dizer que o sincretismo foi um fenômeno que só funcionou no passado e que se encontra em desaparecimento, ao observar as manifestações populares hoje em dia, isso ainda se faz muito presente.
            Dessa forma, podemos concluir que o sincretismo é importante e presente em todas as formas de religião, seja em nas procissões, nas comemorações dos santos, nas diversas formas de pagamento de promessas, nas festas populares em geral. Não se pode menosprezar, negar essa mistura, pois ela é a responsável por relacionar a cultura africana da cultura brasileira. Seria uma estratégia de transculturação, da união daquilo que é oposto, mas se transforma em algo belo. Num país como o Brasil é impossível negar o sincretismo, pois a cultura presente resulta da junção de varias outras que formou essa diversidade, principalmente os elementos africanos que merecem ser valorizados e respeitados pela sua grandiosidade. O sincretismo não é algo negativo, mas é uma forma de valorizar e não desmerecer nenhuma religião.
            É visto que há certa resistência em relação as tradições originárias da África, mas se olharmos com mais sensatez, percebe-se que o Brasil não tem uma Cultura exclusiva, ela é formada por varias outras que se faz presente e todas elas foram importante para a formação da identidade do país, todas pó igual, sem desmerecer nenhuma delas, pois a junção de todas foi responsável pela formação cultura única e miscigenada. Assim, não há como banir ou desconsiderar a presença do sincretismo. 
Biografia
Ferretti, S. E. Sincretismo Afro-Brasileiro e Resistência Cultural.
Prandi, R. Referências sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento, africanização . Brasil: Universidade de São Paulo .


SOARES, Afonso Maria Ligorio. Sincretismo afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio. Revista de Estudos da Religião. Nº 3 / 2002 / pp. 45-75

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