sábado, 27 de maio de 2017

Sincretismo afro-brasileiro


O sincretismo é a fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova, seja de caráter filosófico, cultural ou religioso. O sincretismo mantém as características típicas das doutrinas-base, os costumes, crenças ideologias e outros. A palavra "sincretismo" se originou a partir do grego sygkretismós, que significa "reunião das ilhas de Creta contra um adversário em comum", que por sua vez foi traduzida para o francês syncrètisme, dando origem a variante na língua portuguesa.
O processo de sincretismo está ligado ao convívio de diferentes culturas, que ao estabelecerem uma comunicação entre grupos heterogêneos acabam por absorver e expandir as culturas opostas. Um exemplo deste processo de “mistura religiosa” foi à adaptação e absorção que o cristianismo fez de conceitos das religiões pagãs na Europa durante a consolidação da Igreja católica no continente. A Igreja utilizou os costumes e tradições dos pagãos em benefício da doutrina cristã, reconstruindo os discursos já estabelecidos nas sociedades pagãs em nome do cristianismo.
O sincretismo parece-nos evidente, no Brasil, pela própria história do país. Nossos colonizadores portugueses sempre contaram, em seu território, com a presença de povos de procedências diversas, desde os romanos, na Antiguidade e através de toda a Idade Média, com os chamados povos bárbaros, e, depois, com os árabes e judeus, até a época dos descobrimentos. Fomos formados, depois, com a contribuição das mais diversas culturas, procedentes do continente africano, que se somaram às numerosas nações indígenas encontradas em nosso vasto território. Assim o contato entre múltiplas culturas sempre foi característico de nossa sociedade, embora na maior parte do tempo, com predomínio da cultura branca dominante. O antropólogo Roberto da Matta, em diversas reflexões sobre a sociedade brasileira, defende o ponto de vista de que:

Devemos dar mais atenção a palavras como ‘misturas’, ‘confusão’, ‘combinação’ e outras mais, que designam aquilo que verdadeiramente é necessário conhecer: os interstícios e as simultaneidades ou, como tenho afirmado no meu trabalho, as ‘relações’ (1993, p. 129).

Em trabalho anterior, afirma que

[...] a sociedade brasileira é relacional. Um sistema onde o básico, o valor fundamental é relacionar, misturar, juntar, confundir, conciliar. Ficar no meio, descobrir a mediação e estabelecer a gradação, incluir (jamais excluir). Sintetizar modelos e posições parece constituir um aspecto central da ideologia dominante brasileira (Da Matta, 1987, p. 117).

Por isso o termo tem sido muito estudado no Brasil, porém, é curioso que haja tanta recusa, justamente aqui, que tem tantas diferenças culturais e diversidades.
O processo de sincretismo mais conhecido e estudado é o religioso, que assim como o cultural provém da interação entre diferentes doutrinas, costumes e crenças, se transformando num aglomerado de informações e diferentes contrastes e formações religiosas.
Segundo o antropólogo holandês André Droogers o termo sincretismo apresenta ambigüidade, pois é usado como significado objetivo na descrição da mistura de religiões, e com significado subjetivo que avalia a mistura de tais religiões. A partir do século XVII o termo passou a ser visto como negativo, contra a verdadeira religião.
No Brasil, este termo encontra-se bem distribuído e em expansão. O sincretismo religioso nasce desde a chegada dos primeiros colonizadores portugueses, se intensificando com a presença dos escravos africanos, que, em contato com a população nativa do Brasil (os indígenas), disseminou os seus costumes, rituais e tradições. Segundo o texto, as religiões são sincréticas, já que, apresentam e representam a mistura de várias religiões de diferentes nacionalidades. Podemos também observar a cultura brasileira como uma mistura da portuguesa e africana, que herdaram muitos costumes, como comida, música, palavras e tantas outras. Segundo Thornton, desde muito cedo, práticas cristãs foram misturadas com práticas das religiões africanas. As religiões de matriz africana foram incorporadas a cultura brasileira desde há muito, quando os primeiros escravizados desembarcaram no país e encontraram em sua religiosidade uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África.
Apesar disso, há um grande preconceito com as religiões afro-brasileiras, pensadas de forma negativa que tenta diminuir as diversas formas religiosas trazidas pelos negros africanos para o Brasil na condição de escravos, formas estas que são rituais de muitas comunidades brasileiras como, por exemplo, Candomblé e Umbanda presentes em todos os estados do Brasil. E assim como tudo que fazia parte deste universo, tais religiões, apesar de sua influência e importância na construção da cultura nacional, também foram perseguidas e, em determinados momentos históricos, até proibidas.
Herskovits (1969:376) define sincretismo como uma forma de reinterpretação, que traz aspectos da mudança cultural com transformações de valores relacionados com as religiões afros. Até o final da década de 1950 os estudos sobre sincretismo no Brasil foram feitos na perspectiva da teoria da aculturação, mas para Renato Ortiz (1978) a aculturação valoriza a cultura desvalorizando a sociedade.
Thornton diz haver tolerância na interação entre religiões europeias e africanas nos séculos XVI XVII, além de uma grande ligação sincrética. Videira Pires contesta a afirmação de que o sincretismo afro-brasileiro é fruto de repressão política e/ou imposição religiosa sobre os africanos, para ele o surgimento das religiões afro-brasileiras é um modo de aculturação (grupo ou povo que se adapta a outra cultura ou dela retira traços significativos), já que os africanos ainda cultivam heranças da religiosidade católica.
O exemplo disto está Santo Antônio, considerado pelos africanos como uma espécie de bruxo poderoso comparado a Exu, também São Benedito, considerado protetor e padroeiro dos negros. Assim, os africanos associavam alguns santos católicos a seus orixás, sem se transformarem no que o seu senhor determinava, mas tinham sua própria identidade religiosa.
Segundo Stuart e Shaw (2005:7/8) sincretismo não é um termo fixo nem estático, pois seu sentido tem se modificado e transformado seu significado ao longo da história. Deve-se ir além das origens e composições religiosas, visto que são reconstituídas, deve-se salientar o processo de síntese religiosa.
A religião busca a verdade e a pureza para as normas e doutrinas, a religião tem grande influência na moral, por isso os líderes religiosos se opõem ao sincretismo que lembra poluição e mistura indevida, mas Pollak-Eltz (1996, p.3) lembra que a pureza religiosa é uma ideologia e um mito, talvez porque é certo que as religiões são de fato sincréticas e não tem como haver pureza absoluta em algo que se mistura e se engloba.
Sincretismo também tem um sentido de imposição, pois obriga uma determinada comunidade a aderir uma religião que não é a sua, como ideia de religião ideal, como aconteceu com os indígenas no processo de catequização, também com os escravos, que embora manifestassem de forma tímida e íntima suas crenças religiosas, foram catequizados e convertidos ao catolicismo pelos jesuítas. Com isso, os africanos, por imposição, tomaram afeição por alguns santos católicos substituindo-os por adoração a seus orixás, não deixando de cultuar os seus voduns nem confundi-los com os santos, mas expressavam sua fé individual nas imagens, e essa mistura se faz presente em muitas comunidades. Hoje não é mais necessário se esconder por trás de santos católicos pra mostrar e expressar sua fé, embora haja muito preconceito e individualismo, a sociedade é pluralista e não impede que africanos e demais pessoas de qualquer religião manifeste suas crenças. Porém, os ataques mais expressivos às religiões de matriz africana vêm das chamadas religiões ‘neopentecostais’(oneopentecostalismoou terceira onda do pentecostalismo é um movimento sectário dissidente do evangelicalismo que congrega denominações oriundas do pentecostalismo clássico ou mesmo das igrejas cristãs tradicionais (batistas, metodistas, etc.)), que comumente as rotulam de ‘culto aos demônios’, ‘crendices’ e ‘feitiçarias’.
Mas, existe uma polêmica que envolve o sincretismo no processo de comparação entre santos e orixás. Alguns líderes e intelectuais tentam combater o sincretismo com o objetivo de purificar a religião africana, visto que os orixás são caracterizados com particularidade dos santos católicos, quase todos brancos, como é o caso de Ogum, embora o sincretismo seja marca deixada pelo composto, mescla, cruzamento de comunidades e várias identidades, o africano, já que por muito tempo foi marginalizado, deveria mostrar a realidade de sua cultura religiosa de forma original e específica.
Os estudos e interesse do estado são escassos em relação ao conhecimento da história da África. A cultura africana é menos estudada do que outras civilizações que originaram a história humana. Essa deficiência é decorrente de descriminações acerca da cor da pele, da cultura, da religião vista como feitiçaria, zombaria e muito mais.
O povo africano, através de organizações religiosas manteve ligação, primeiramente espiritual e posteriormente física com as viagens de volta com o continente africano. Ainda hoje, inserido em uma nova lógica, os terreiros de candomblé se encontram na vanguarda pela resistência da cultura africana e afro-brasileira. Mesmo com os escassos incentivos do estado, continuam mantendo uma relação muito próxima das comunidades onde estão inseridos, realizando projetos sociais que se remetem a valorização e resgate da cultura afro-brasileira. Os poucos estudos sobre a história africana tentam resgatar a essência da África, sem se prender apenas na história de escravidão, tortura, maldade, descriminação, preconceito. É uma busca da grande e diversificada cultura que foi pioneira na formação de outros povos, e que merece respeito e respaldo diante de tantas belezas e riquezas próprias de um povo forte e guerreiro.
A música de Marcelo D2 mostra um pouco dessa persistência em manter suas origens, mesmo com a imposição religiosa do colonizador sobre o colonizado.

Busco nos mais velhos dos terreiros e tambores
Que assim fico mais forte, enfrento medos e minhas dores
No mundo de dinheiro, não se tem mais valores
Nos separam por classe, cores, escravos e senhores, é
Conquistar o meu espaço, eu olho pro futuro sem esquecer o passado
E se rebaixam assim mesmo, quer ser é elevado
Nos querem de humildes para sermos humilhados
Eu luto e não me rendo
Caio e não me vendo
Não recuo nem em pensamento
Sigo em movimento, que pra mim é natural
De resistência cultural
(Resistência Cultural (part. Helio Bentes e Siba)
Marcelo D2)

O sincretismo afro-brasileiro foi, segundo o texto, uma astúcia de sobrevivência e adaptação, trazidas pelos escravos para a nova realidade que era o Brasil. Não se pode negar a herança e importância da África na composição cultural brasileira, o Brasil é uma mistura de raças, de crenças, de dança, gastronomia, música, cor. Tudo isso vindo, sem dúvida, dos africanos que trouxeram brilho, vida para a cultura brasileira.
Dessa forma, é essencial que as pessoas respeitem a diversidade, seja ela de cor da pele, cultural ou religiosa. O sincretismo é consequência do emanado de sociedades e culturas distintas e deve ser respeitada. Não se deve ridiculariza, desfazer, zombar, ironizar nenhuma forma de representação popular, religiosa ou não, cada comunidade tem traços e aparatos específicos de vida em conjunto, caçoar disso é diminuir um perante o outro e uma forma de preconceito. Num Brasil tão diversificado e completo, já deveríamos ter entendido que ser diferente é normal.





Referências bibliográficas:

http://www.graduacaounead.uneb.br/pluginfile.php/35653/mod_resource/content/1/Texto%20Resumo-%20Atividade%20Regular.pdf
https://www.significados.com.br/sincretismo/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_afro-brasileiras
http://www.portalsaofrancisco.com.br/historia-do-brasil/religiosidade-dos-escravos
http://www.gpmina.ufma.br/pastas/doc/Multiculturalismo%20e%20Sincretismo.pdf
https://www.google.com.br/search?q=neopentecostais+significado&oq=neopetencostais+&aqs=chrome.1.69i57j0l5.7883j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
http://www.acordacultura.org.br/artigos/18102013/religiosidade-as-religioes-de-matriz-africana-e-a-escola
http://www.faculdadealfredonasser.edu.br/files/pesquisa/A%20RESIST%C3%8ANCIA%20DA%20CULTURA%20AFRICANA%20NOS%20RITUAIS%20DE%20CANDOMBL%C3%89%20KETU.pdf
https://www.letras.mus.br/marcelo-d2/resistencia-cultural/



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